Matryoshka
Quem a visse, talvez achasse que nem se mexia: em sua velha cadeira de balanço, ao lado da janela (a que pega o sol), ela ninava o gato sonolento e ronronante. As horas da manhã eram sempre assim: todos indo e vindo, apressados em seus afazeres de fim de semana, como se aquela senhora fosse apenas a ideia que se faz a respeito de qualquer coisa – gente ou instituição – que conta noventa e quatro anos de existência.
Ela está em silêncio. Esse, agora, quase sempre é o seu mundo.
Mas não é um mundo quieto.
Por detrás dos olhos de um azul profundo, quem corre ainda é a menina que, naquela mesma casa, aventurava-se subindo e descendo as escadas, que agora rangem, firmes e ranzinzas, mesmo sob o mais leve dos passos. Vivos em sua memória, o espelho do quarto da mãe, o cheiro da vela aromática (flor de figo e bergamota), a leve brisa que, passando pelas palmeiras imperiais, agitavam a levíssima cortina de seda branca que o pai, capitão-de-mar-e-guerra, trouxera de uma das suas lendárias viagens ao oriente. Em seus sonhos, ela via cada um desses lugares, que só viria a conhecer em sua lua-de-mel, aos vinte e dois anos, e a admirar com o apetite de quem foi embalada noites a fio por Scheherazade.
Diante desse espelho, passeava pelas roupas e pela maquiagem da mãe: sombra nos olhos (que só assim escureciam), batom vermelho, saltos e vestido rendado, além, claro, do medinho de ser descoberta. Hoje, ri ao lembrar que sua travessura já era conhecida havia tempo: em um desses dias, o espelho mostrou a mãe surgindo atrás de si; a menina, nervosa, procurou o que fazer com as mãos; mas a mãe, curvando-se e abrindo um sorriso só dela, pediu que a maquiasse também. E, assim, lembra sempre da tarde que tiveram, e do quanto riram, e de quantos personagens encarnaram. Lembra do barulho que atraiu os empregados da casa que, pasmos, viram a caríssima maquiagem ser usada até o fim. Lembra do gritinho que deu quando o pai, de volta de surpresa, flagrou as duas em sua farra, e de como ele, sem perder a pose cunhada em anos de serviço militar, disse que ver “jovens tão lindas” não lhe dava alternativa a não ser levá-las para jantar. E jantaram, e ela devorou uma taça de sorvete tão grande que chegou a esconder o seu rosto: o episódio seria lembrado incontáveis vezes, sempre acompanhado por muitos risos. Lembra que, exausta, adormeceu no banco de trás do magnífico rabo-de-peixe. E lembra que acordou brevemente, apenas a tempo de flagrar um beijo dos pais, sob a lua que parecia brilhar mais intensamente na água da represa do que no céu.
Ela lembra de tudo vividamente. E tem muito mais a contar àqueles que, volta e meia, sentam-se aos seus pés, e pedem uma história antes de pedir sua bênção.
Mas ainda era início de tarde, e isso era coisa para depois. Com um toque em seu ombro, a neta a traz de volta dos seus pensamentos, enquanto lhe estende a mão e o sorriso, para conduzi-la à mesa do almoço.