( aperte o alt ) "Maré" • Edição Nº38
Maré
Ela acordou com o barulho das gaivotas, que se esbaldavam em um banquete: não havia barcos o suficiente para pescar tantos peixes, coisa como nunca se tinha visto naqueles lados, e que trazia aos rostos ressequidos e marcados, dos pescadores, sorrisos tão luminosos que faziam o próprio sol corar de vergonha.
A noite seria de festa, de dança e de bebida, e nem mesmo aquele cheiro tão forte, que quase se podia cortar à faca, conseguia deixar a vila de mau humor: "é o cheiro do dinheiro!" - gritaram sob a janela.
Ela preparou café e bolo, jogou por cima da camisola o roupão que ganhara de um admirador, e abriu a parte de cima da porta da porta da hospedaria. No instante seguinte já estavam, bolo e café, passando de mão em mão, além de todo tipo de teoria para a boa vontade repentina dos peixes para se atirarem nas redes. Mas a verdade era que pouco importava: moradores, pescadores, visitantes e gaivotas estavam felizes demais para racionalizar a coisa.
(Os peixes, talvez, não estivessem tão felizes assim, mas como a iniciativa tinha sido deles, ninguém se importava muito com a sua opinião.)
Vieram os repórteres, pela hora do almoço, e entrevistaram todo mundo. Não tiveram bolo depois da refeição, porque tinha acabado, mas comeram doce de abóbora e ficaram felizes e satisfeitos do mesmo jeito. Compraram peixe por uma pechincha: "peixincha", alguém disse, e o bom humor era tanto que até disso conseguiram rir. Logo depois se deram conta da hora e saíram correndo, para encontrar especialistas que pudessem dar alguma explicação para o fenômeno que ninguém ali fazia questão de entender, porque ninguém ali tinha um editor ligando toda hora pra saber se a matéria estava pronta.
Vieram, então, os caminhões-frigorífico, que levaram tudo embora e deixaram na mão dos moradores mais dinheiro do que eles faziam em um ano inteiro, e mais alegria do que tinham experimentado até aquele dia.
O fim do dia trouxe consigo a música e a cerveja. Naquela noite, a noite quando todo mundo teve mais dinheiro, foi quando menos se cobrou por qualquer coisa.
Ficou decidido que, dali em diante, aquela data seria feriado. E, só dessa vez, o dia seguinte também, já que os peixes vieram sem avisar, e a ressaca ficou toda para a próxima manhã, impedindo todo mundo de trabalhar.
Cantaram, então, a felicidade, madrugada adentro, e deixaram os pensamentos lá na lua que, sem esconder sua cumplicidade nos acontecimentos, estava cheia de si, dominando a noite.
...