Hashtag
As luzes acendiam e apagavam em ritmo frenético, atordoantes, enjoativas. E, do nada, surgia bebida, música ensurdecedora e risos exagerados, que lembravam uma claque de programa humorístico de qualidade duvidosa.
Desde que chegou, ele estava encostado na mesma parede. Pensou, algumas vezes, em dar uma caminhada pelo salão, tentar sentir o lugar, mas não tinha conseguido convencer a si mesmo. Até porque dali, da sua parede, via bem a dinâmica entre as pessoas: o mais comum eram grupinhos se fazendo e desfazendo, existindo só tempo o suficiente para umas selfies e hashtags.
Mas é verdade: ele não era assim tão diferente, né? Afinal de contas, estava ali também. Ouviu até alguns “bom te ver por aqui”, veja você, de pessoas que não fazia ideia de quem eram, mas que morriam de medo de que ele fosse alguém e não o tivessem cumprimentado.
Aos poucos, algumas vozes ficavam mais animadas. Alguns ânimos. Aumentava a fumaça de cheiro doce, o palavrório nas homenagens, os parabéns e os “eu já sabia” e os sorrisos e as olhadinhas e os tapinhas nos ombros e o falso interesse e as poses para as câmeras e as condecorações que davam uns aos outros, usando critérios que ele nunca entendeu.
Ah, sim: era uma festa de premiação.
Como tantas outras que inventavam para preencher o ano e o ego.
Quando percebeu que começava a confundir-se com o próprio lugar, sentiu o velho desespero para ir embora. E foi o que fez, deixando a taça de Prosecco sobre a bandeja de um garçom que passava desavisado, em seu esforço para permanecer invisível.
Já a caminho do carro, girando a chave na mão, veio a cobrança que sempre vinha: a de que deveria ficar mais tempo. Afinal, vai que acontece alguma coisa interessante, ou surge alguém que vale a pena, ou qualquer coisa capaz de tirar a sensação de que tudo era só uma absoluta perda de tempo. Hoje há um termo pra isso: “fear of missing out”. Mas ele preferia chamar de ansiedade mesmo, porque era velha conhecida.
Com o rádio ligado, partiu cortando a madrugada, cobrindo a longa distância que separava tudo aquilo da vida real.
Nunca existe um "algo mais" pra gente em um lugar no qual nossa alma e nosso coração não pertencem.