Haríolo
Ele já nem saberia dizer há quanto tempo estava naquele lugar.
A clareira era um círculo perfeito, e a chuva recente fazia subir do solo o cheiro de terra e de folhas, o cheiro de umidade, que lhe atravessava a pele e o tomava até os ossos. Tinha as roupas molhadas. As barras das calças pesavam uma tonelada, e carregavam lama, água, mato e o que restava da sua dignidade. Seguira adiante porque, agora, o caminho até o fim era menor do que o de volta ao começo: o último vilarejo era uma lembrança distante, de outra vida. Além disso, ele já havia suportado o frio, os espinhos, os sons, a escuridão e todos os medos que a noite poderia apresentar. Não deixaria ser por nada.
Encontrava-se com os raios do sol pela primeira vez em muitos dias: a floresta, densa, antipática, recusava-se a deixá-los passar pelas copas das árvores, altas demais para se ver o topo. Avançara contrariando seu instinto, agarrando com tanta força e fé a pedra ancestral que - o conduzira por tudo isso - que ela quase fazia sangrar suas mãos.
Mas chegou.
Suspensos no ar, estavam pólen e poeira e pensamentos fugidios e vozes daqueles que um dia passaram estiveram por lá.
Em meio a raizes, musgo e incredulidade, a porta estava ali. Era real. Repousando entre duas pedras gêmeas, lembrava um alçapão. Naquelas pedras, pensou ele, criaturas que nunca existiram se apoiaram e descansaram de suas subidas e descidas pelas escadas ocultas, em tempos imemoriais. Ele poderia jurar ouvir o burburinho de suas conversas e de sua pressa.
O frio da manhã tocava suas roupas. Percebia que era observado por aqueles cujos nomes se perderam ao longo dos séculos, e que cada um dos seus movimentos era acompanhado com curiosidade e apreensão.
Avançou alguns passos e, cauteloso, chegou até a porta. Viu a madeira escura, dura como pedra, entalhada com motivos que não poderia reconhecer, esculpida com esmero a partir de alguma árvore jamais classificada. Correu os dedos sobre ela, sentindo sua idade, sua força. Mesmo apreensivo, sentindo suas entranhas contraírem, esboçou um sorriso.
A fechadura, de um dourado velho, se exibia no centro. Da sua mochila, tomou a chave e colocou-a ali. Precisou girá-la com mais força do que julgava ter, até que um estalo seco, ruidoso, malcriado, fez voar por aqui e por ali todo tipo de criatura alada: ele, no entanto, podia apenas ouvi-las; não lhe era permitido, ao menos ainda, ver qualquer uma delas.
Com suor, venceu a teimosia da porta e das dobradiças.
Um sopro de ar solene, de uma antiguidade impossível, subiu do túnel negro como breu. Os cinco primeiros degraus eram visíveis; todo o resto permanecia engolido pela escuridão.
Temeroso, determinado, respirou fundo ainda outra vez, e permitiu-se um último olhar em volta antes de descer. Agora não havia mais volta.
Seguiu, então, com passos temerosos, deixando atrás de si testemunhas silenciosas e invisíveis, que se perguntavam se um dia ele voltaria, e se voltasse, no que teria se tornado, e o que traria consigo; Mais ainda, o que diria sobre o lugar aonde fora e que eles mesmos já não viam há tanto tempo: aquele lugar que nunca, jamais, existiu.