Compasso
Não lembro.
Pode ter sido ontem.
Ou pode ter sido mês passado. Ou ano passado. Ou em outra vida, sei lá.
Eu falava tanto. Falava das coisas que eram mais profundas pra mim, mas parece que falava para o vento. É, seu sorriso até parecia concordar, mas era sempre aquele concordar silencioso, aquiescente; por causa disso, o momento passava e eu nunca tinha certeza se você estava mesmo ao meu lado, se compreendia, ou até se discordava completamente. Nunca consegui desvendar o seu semblante. Mas aí finalmente entendi: era exatamente assim que você queria estar. Distante. Mesmo quando eu tocava seus lábios, seus seios, suas coxas… me queria ausente mesmo quando enterrava suas unhas nas minhas costas e empurrava as ancas contra mim, com seu gemido sussurrado.
Você estava em todo lugar, menos ali.
Agora já não lembro mais de quando foi que aconteceu. Quando foi que você se tornou essa imagem disforme na minha memória. Mas lembro bem de outra discussão, uma que mandou-me de volta para casa por um caminho longo, cheio de meias verdades e de relances de coisas que podem ou não ter sido ditas.
Lembro de haver mágoa. Não a mágoa de quem fere por saber ferir, mas a mágoa de quem fere porque não faz diferença, o que acho que é até pior. É a mágoa provocada por alguém para quem é fácil seguir adiante e virar mais uma página, como já virou tantas outras, e deixar que o tempo se encarregue de sepultar tudo em silêncio; o que, claro, só acontece para si.
Se é o silêncio que quer, faço essa gentileza.
Eventualmente, você há de lembrar que a escolha foi sua.