Bonança
Finalmente saiu da barca.
Estava ficando louco. Tinha certeza.
Apressou o passo, na esperança de não pensar tanto. Via o rosto das pessoas e se perguntava, assombrado, como era possível nenhuma delas perceber que ele conhecia os pensamentos de todas, que ouvia suas vozes, que sentia o que sentiam.
A camisa apertava o pescoço. O portão de saída parecia cada vez mais longe, a cada passo. Sentia língua e mãos dormentes. Pernas pesando toneladas.
Precisava parar. Precisava respirar.
Procurava em que se apoiar.
Garganta seca.
Queria vomitar. Mandar todos calarem a boca, por um segundo que fosse. A realidade estava distorcida: rostos, sons, cores. Ou só agora a enxergava como era? O coração pulava tão forte no peito que tinha a impressão de que todos o conseguiam ouvir.
Encontrou um banco. Sentou-se. Fechou os olhos, apertou as têmporas. Suava. Estava ficando louco, tinha certeza. Precisava se acalmar.
Respirou fundo: uma, duas, três vezes. O barulho da cidade era ensurdecedor. E o das conversas cortadas. E era muito calor e muita poeira e muitos pensamentos.
Rangeu os dentes. Apertou os olhos.
Respirou fundo uma.
Duas.
Três vezes.
Agora já não sabia quanto tempo havia passado quando, enfim, percebeu a brisa fresca vinda do mar, e sentiu a náusea e o suor se renderem, resignados. Aos poucos, retomava o controle das mãos, das pernas, de si. Enfim, o coração acalmou.
Levantou o queixo, olhou em volta: estava tudo bem. Ao menos, assim parecia.
Colocou-se de pé. Sentia-se constrangido, sem saber bem por quê.
Ajeitou a roupa.
Seguiu em frente, torcendo para que ninguém viesse, só agora, perguntar se estava tudo bem.
Mas já não havia o que temer: continuava invisível, como sempre.
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