( aperte o alt ) "Volts" • Edição Nº44
Volts
Naquele dia, e ninguém até hoje sabe a razão, nada funcionou.
Nem computadores, nem celulares, nem elevadores, nem carros, nem lanternas, nem televisão: nada. Já puderam notar logo nas primeiras horas da manhã, quando acordaram atrasados, já que os relógios pararam em plena madrugada em algum minuto entre as três e as quatro horas. Correram apressados para o banho: ali, água fria e nenhuma luz. Do lado de fora, nenhuma buzina. Nenhum motor. Os telefones nem sequer avisavam estar sem sinal: telas totalmente apagadas.
Chegaram confusos à calçada, e nela viram as pessoas andando sem rumo, carros largados no meio das ruas, muita inquietação. Falando uns com os outros, souberam o que já sabemos: que nada funcionava. Por causa da preocupação, deram-se conta das pessoas com quem não falavam, da família que não viam havia tempo (ainda que, em muitos casos, vivessem sob o mesmo teto), dos amigos que seguiram caminhos diferentes.
Claro, houve quem julgasse ser o fim do mundo, quem julgasse ser invasão alienígena, quem julgasse ser alguma coisa orquestrada pelos Estados Unidos, quem julgasse qualquer coisa.
Pouco a pouco, foram se encontrando: os vizinhos, parentes que viviam por perto e saíram uns à procura dos outros, e desconhecidos que, de repente, passaram a ter nome, cor, rosto e passado.
Como se tivessem recebido um chamado comum, foram caminhando em direção à praia, e conversaram sob um sol imenso que, misericordioso, poupava-os de um calor mais intenso. Houve muitos sorrisos. Muitas lágrimas reconciliadoras, apertos de mão e tudo o mais que, diante da incerteza do amanhecer de um dia seguinte, parecia o certo a se fazer.
E assim, em um vermelho fulgurante, o sol escondeu-se no mar.
Houve silêncios e suspiros.
Então, do mesmo jeito que pararam, todas as coisas voltaram a funcionar. Não souberam exatamente quando porque já não estavam prestando atenção, mas foram os postes das ruas que, silenciosos, deram o aviso.
A TV, agora, tinha muito a explicar: milhares de teorias, suposições, especulações. Mas, hoje, falava a muito poucos; já os telefones transmitiram mais palavras do que nunca.
Quando chegou a noite daquele dia, todos deitaram, dormiram, sonharam.
E , até hoje, ninguém sabe o porquê.