( aperte o alt ) - "Rengaine " - Edição Nº20
Rengaine
O dia inteiro de chuva dera lugar a um céu estrelado: atravessando a pé pelo meio da madrugada, lá pelas três ou quatro da manhã, ele voltava pra casa (primeira janela de frente pra rua, logo acima do restaurante chinês, eternamente enfumaçado). De propósito, andava estalando a sola do sapato em todas as poças d'água que encontrava pela frente.
No intenso frio da noite parisiense, as baguettes recém-saídas do forno aqueciam suas mãos, enquanto ele dobrava na Rue de Le Petit Hotel. Delas subia o aroma de queijo, que junto ao orvalho, vencia de longe qualquer desses perfumes caríssimos de marcas esnobes.
Encontrou um homem de já alguma idade, roupas tristes, sentado no meio-fio. "Se a solidão tivesse rosto," - pensou - "seria esse". Aquele senhor ainda não o vira: tinha o olhar fixado em uma das tais poças do caminho, das grandes, pés afastados, respiração distante.
Havia sido uma noite perfeita. Ao menos para ele, o rapaz. Por isso, não deixaria que uma melancolia intrometida, estivesse em quem estivesse, atravessasse o caminho.
Chegou mais perto, deu um olá, sentou-se ao lado do homem. Ofereceu uma das baguettes. - Muito obrigado, jovem - disse ele, enquanto a pegava. Seu olhar era um tanto fugidio, e a boca, ao se abrir, falava um francês orgulhoso, numa voz imponente, de quem não havia começado seus dias na rua.
- Mas olhe lá as conclusões às quais chega. - continuou - Abaixo o olhar para esta água, jovem, só porque nela vejo as estrelas.
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