( aperte o alt ) "NEOQEAV" • Edição Nº34
NEOQEAV
Foi o dia em que ele decidira distribuir seus amores: ao vento, ao sol inclemente, ao calor que lhe fazia escorrerem gotas apressadas e resolutas pelo rosto, à poeira que lhe enchia os poros, à luz que o cegava enquanto percorria, em velocidade aturdida, os quilômetros vazios à frente, naquele deserto de pessoas e de coisas e de objetivos e de metas e de prazos e de happy hours e de festas para comemorar o fim do trimestre que foi superprodutivoparabénsatodos.
Pé pesado, prensado, pegajoso, penado, persistente: cruzando estradas e estacionamentos e restaurantes e chuvas e noites e motéis baratos com néon falhado e lagartos e placas e caminhonetes transportando de qualquer jeito muito mais engradados de galinhas do que poderia e outdoors velhos e pontos de interesse geológico e areia e cactos e fiapos de roupas e cachorros que pensam em atacar mas que se deixam vencer pela preguiça e atrações de beira de estrada que, há muito, não encontravam atraídos.
Decidira distribuir seus amores àqueles que um dia o quiseram, mas que se tornaram outras pessoas, e o deixaram pra lá como se nunca o tivessem conhecido; decidira distribuir seus amores a quem os percebia, a quem pouco se importava, a quem nem sequer sabia que existiam: era o dia em que se deixaria ser, se deixaria pra lá, era o que era, pronto, isso teria de bastar.
Foi o dia em que distribuiu seus amores, para que - e em secreto confessava - talvez em troca recebesse algum: fosse do vento em sua face, fosse das flores sob o sol inclemente, fosse do calor que o aquecia e fazia escorrer gotas apressadas e resolutas pelo rosto, fosse da poeira que acariciava sua pele e lhe enchia os poros, fosse da luz que o cegava e mostrava um caminho, através daquele deserto de si mesmo.
Era só, era ele só, e seria o que viesse.