( aperte o alt ) - "Mandrágora" - Edição Nº16
Mandrágora
Acordou com o coração acelerado. O peito pesava. Estava encharcado em suor, e o relógio marcava alguma hora perdida da madrugada. A velha tv exibia, cansada e para ninguém, "Depois de Horas".
Sentou-se na cama e, de repente, sentiu-se invadido por todos os sons da cidade: um bêbado gritando na calçada, um ônibus - ou talvez um caminhão - passando em alta velocidade pela avenida, o ruído das luzes de neon que, juntas à sua janela, anunciavam quartos disponíveis para aqueles que estivessem vagando por ali
Apoiou a cabeça nas mãos, passou-as nos cabelos; sentia escorrer pelos braços e costas o suor tenso e pegajoso, sentia subir-lhe pela nuca o arrepio da ansiedade. Parecia ter brasas no lugar dos olhos, enquanto avistava a tempestade no horizonte. Dor no estômago. Contraiu-se. Agarrou com mãos trêmulas o antiácido leitoso que estava sobre o criado-mudo e bebeu como se fosse água. Ar. Precisava de ar. Tentou fechar os olhos e controlar a respiração, tentou imaginar-se em algum lugar verde, com vento soprando, com pequenas pétalas de flores desprendendo-se e flutuando tarde adentro.
Mas o coração não se aquietava. O dia viria. Ainda que lutasse, que não o quisesse, o dia viria.
Então, antes dele, vestiu as calças e a velha camisa, enfiou os pés nos sapatos e saiu, descendo as escadas e entregando-se aos suspiros da noite, buscando a dormência em qualquer bar que o recebesse àquela hora.
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