( aperte o alt ) - "Jalne", edição Nº13
Jalne
A porta estava fechada desde sempre, e os mais novos nem sabiam o que havia ali. E a senhora, dona da casa, fazia questão de que tudo continuasse assim.
Com isso, claro, a fantasia corria solta: as crianças imaginavam criaturas e mundos e cores e cheiros e sabores, e sabiam qual era a hora do dia em que a luz tremeluzente, irrequieta, emanava dourada pela pequena fresta sob a porta e cobria, tímida, alguns poucos tacos que se estendiam sobre o chão do terceiro andar.
Às vezes a senhora subia ali, olhava em volta, colocava a chave e a virava: um ruído pesado, de ferro reclamão, acabava sem dó com todo o silêncio do ambiente, enquanto as crianças, afoitas, subiam em polvorosa, tentando aproveitar uma chance de ver qualquer coisa lá de dentro.
E ela sabia, claro. Se divertia enquanto, lá no aposento, mexia e remexia lembranças que diziam respeito somente à ela. Ouvia os pequenos e seu murmurinho do lado de fora, e há tempos dissera, e insistira, que os funcionários da casa não deveriam interferir: tinham ordens de deixar as crianças, com suas artimanhas, tentando descobrir os mistérios do terceiro andar.
Isso foi há muito tempo.
Chegou o dia em que a chave mudaria de mãos: a senhora partira, com sua peraltice infantil. A notícia chegou a uma daquelas crianças arteiras da época, agora mulher adulta. Veio em uma caixinha pequena, junto com um bilhete de poucas palavras, em letras grandes, de quem já não enxergava tão bem: "agora, é seu".
A mulher sorriu, lacrimejando. Sua filha, que já conhecia as histórias, perguntou: "mas mãe, o que há nesse tal quarto trancado?"
Enquanto guardava a chave, respondeu quase num sussurro: "tudo".
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