( aperte o alt ) "Hoqueto" • Edição Nº37
Hoqueto
Ela passava em frente à casa todos os dias, quando voltava da escola.
Chegava ao imenso portão verde, subia na base de pedra que segurava a cerca de ferro, e agarrava as barras com mãos ansiosas, olhando o caminho que levava até a imponente porta de madeira: uma porta que parecia pertencer a outro tempo, a outro mundo. Via, no segundo andar, a infinidade de janelas, via a varanda que se estendia sobre colunas que, ela ainda não sabia, foram inspiradas no Parthenon. Olhava ansiosa o jardim primorosamente cuidado, e imaginava-se correndo por ali, no meio daquelas tantas borboletas, que pareciam voar apenas para exibir suas cores.
E perdia-se, então, entre o tempo e as suas vontades.
No final de uma eternidade, pulava para o chão e caminhava de volta com passos rápidos, deixando que os pequenos saltos estalassem de encontro ao chão, enquanto o sol fugidio começava a esconder-se por detrás dos montes que contornavam a pequena cidade.
Chegava e largava-se na cama, pensando nos segredos que aquela casa poderia esconder; fantasiava sobre mundos e formas, cores e cheiros, enquanto perguntava a si mesma quem moraria ali, que nunca dera as caras, nunca mostrara-se a ninguém. Sim, havia questionado umas tantas pessoas - dentro do que lhe permitia sua mente infantil - e pouca importância dava àqueles que tentavam lhe dizer que, lá, não havia nada demais, que era apenas o reduto de uma velha viúva que perdera o gosto pelos dias e pelo sol, ou ainda pelas nuvens e pela lua, e que passava o tempo que lhe restava olhando para o nada, através de cortinas empoeiradas e entediadas, que sequer recordavam da última vez em que se viram abertas.
Mas então houve o dia, enfim chegara, em que ela parou em frente ao portão, e a senhora que há tanto a observava - sem que ela soubesse - desceu até a porta, roubando-lhe o ar e a força das pernas; se pudesse, ainda que não quisesse, a garota teria corrido dali mais rápido do que achava possível. Mas a mulher, em seus passos sem idade, aproximou-se do portão, e o abriu.
A menina, pé ante pé, já sem medo ou questionamentos, deixou-se entrar. Sem saber, levava consigo ar fresco e sol, como presentes para a senhora.
E logo correu ao encontro das borboletas que, à sua volta, lhe recebiam em festa, e enchiam o dia de cores que há muito não apareciam ali.