( aperte o alt ) - "Hilé" • Edição Nº25
Hilé
Era uma imensa vontade de nada, de não ser, de inexistir. Tornar-se uma "impessoa", como aquelas lá do livro "1984". Era o mais profundo e absoluto desinteresse de coisas, de pessoas, de vozes.
Percebera, sem rancor ou mágoa, que podia, às vezes, ter necessidade de gente: então circulava, olhava, falava sobre qualquer assunto com qualquer um, e a urgência o deixava; mas um só segundo a mais e pronto: era tomado pelo cansaço insuportável da superficialidade que ele próprio buscou.
Não procurava por ninguém em especial havia tempo, e continuava sem encontrar qualquer motivo pra isso. Estava se desumanizando - era o que pensava - quando não achava que o estavam todos os outros: aqueles que riam por rir enquanto tomavam café, que iam e viam, sem que nem porquê.
Refugiava-se em si mesmo: música, pensamentos, rabiscos no papel e letras jogadas por aqui e por ali.
Não era rancor, não era mágoa, não era nada. Nada. Pensava e sentia com a lucidez de quem passou a enxergar as coisas com uma distância covarde, segura: decidiu trancar sentimentos onde (achava que) não poderia encontrá-los; nem ele nem mais ninguém, e pronto.
Os dias insistiam, como sempre, em se amontoar. Ele seguia com os pensamentos distantes daqui: mantinha os olhos voltados para o horizonte, pois já lá estivera, e sabia que voltaria mais cedo ou mais tarde, ainda que nenhuma palavra se fizesse entender.
Perdido, sozinho, e completo em si mesmo.