( aperte o alt ) "Hiálito" • Edição Nº47
Hiálito
Não era ele. Não tinha feito nada.
Mas falaram muito, sobre onde esteve e não esteve, sobre tanta gente que tinha encontrado e com quem havia conversado por dias. Falaram sobre como chegou ali e de como fez questão de anunciar o próprio nome, sobre como olhou de um jeito estranho pra algumas pessoas e de outro jeito para outras, e de como tinha deixado todo mundo querendo entender seus porquês.
Começaram a falar sobre alguma indiscrição, ou sobre um movimento que nunca pretendeu fazer e, agora já embalados por um tanto de cerveja e vinho, falaram sobre suas ousadias e aventuras, mas que ele mesmo não reconhecia.
Assim, seguia em silêncio.
E prosseguiam, agora colocando palavras em sua boca: atribuindo a ele frases que nunca dissera e opiniões que nunca tivera. Riram e soluçaram e concordaram e discordaram e ponderaram e repensaram e observaram e expuseram e afirmaram todas essas considerações, todos muito certos e veementes.
Ele não se mexeu; ainda assim, o jogaram de um lado para o outro, e deram seu nome para grandes feitos, grandes conquistas, e a lugares e a façanhas e a aventuras e a bebês recém-nascidos, coitados, que faziam ainda menos ideia do que estava acontecendo.
Falaram sobre como ele conquistou e concedeu poder, de como fez, desfez e refez, de como criou tudo a partir do nada.
Mas ele continuou ali, imóvel e solitário, em frente à máquina e ao papel, enquanto mundos lhe aconteciam na cabeça.