( aperte o alt )- Halo • Edição Nº10
Halo
Era uma ponte antiga demais, mas talvez aguentasse seu peso. Chovia fino e frio, e o leve assovio do vento era suficiente para fazer as tábuas de madeira rangerem, mal-humoradas, prendendo-se umas às outras por um trançado irreal de cordas, que chiava feito velhas doentes. A névoa, junto à noite que se aproximava, bloqueava a visão, e era impossível prever o que estava do outro lado - ou até mesmo se havia um outro lado. Ainda assim, tinha que atravessar. Já não havia mais nada no lado de cá ao que dar atenção: nenhum amor, nenhuma conquista, nenhum nome, nenhuma semente plantada, nenhum fruto a colher, nenhum horizonte a desbravar.
Não lembrava mais de como tinha chegado até ali. Não lembrava de ter feito esses planos, nem de ter ouvido conselhos para começar a empreitada. Mas, ainda assim, resignado, percebia que seus pés não poderiam mesmo tê-lo levado a qualquer outro lugar; não com a cabeça que tem agora, com os sentimentos que tem agora ou com os amores que um dia teve: isso - sabia, enfim - era só o que lhe dava algum chão: há tempos não encontrava pousada para o coração ou alento para o espírito.
Estava só, e essa era toda a sua certeza. Mas era toda a de que precisava para olhar adiante e respirar fundo.
Assim, olhos cerrados e rosto coberto de sereno, firmou o passo e entregou, à primeira tábua, o seu peso; à segunda, o seu ritmo, e à terceira, seu destino. Caminhou para o desconhecido.
Importava deixar para trás tudo o que já houve, esquecendo de si na bruma à sua volta, ainda que o futuro fosse muito mais turvo do que qualquer uma de suas memórias.
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