( aperte o alt ) "Chauvet-Pont-d'Arc" • Edição Nº29
Chauvet-Pont-d'Arc
Algumas peças estavam soltas no jardim, sem qualquer memória de onde já estiveram.
Duas crianças esculpidas no que parecia ser calcário, ou mais provavelmente pedra branca barata, estiveram, um dia, na gangorra, agora quebrada. O menino esperava sozinho, no alto, pelo impulso da menina, caída na grama, recoberta pelo limo. A ela faltava o nariz, e um dos olhos estava preto. Já o menino mantinha um sorriso para ninguém, porque não havia quem passasse na calçada em frente a ele. Não havia quem sorrisse de volta.
O outro lado do pequeno caminho de pedras sepultava um balanço. Duas hastes de metal, correntes e uma cadeira de plástico, quebrada na parte de cima, como se tivesse levado uma mordida. No meio, água acumulada, gelada, que por algum motivo ela quis tocar, tirando a luva de uma das mãos.
Havia ferrugem, anunciada pelo vento que empurrava o balanço.
Os degraus do pórtico estavam encharcados, e a impressão era a de que assim permaneciam mesmo quando havia sol. Não era o caso, no entanto: o dia nascera com pesadas nuvens, que respiravam fundo, segurando a chuva.
Por algum motivo, ela evitou os degraus, e num pequeno salto foi direto à varanda. Havia uma cadeira que um dia balançara, virada para o que talvez fosse a direção do sol poente, quando esse se dispunha a aparecer.
Na entrada, estava a inevitável porta de tela, rasgada, e uma outra, de madeira, aberta.
Metade da tarde, e já era frio como a madrugada. Não havia muito ali dentro, agora: pertences que, no final, não pertenciam a mais ninguém, e que foram deixados para apodrecer, condenados ao esquecimento. Um retrato emoldurado em vidro jazia no chão, escurecido, embolorado, tentando esconder os rostos de um casal que, em idos tempos, devolvia com orgulho os olhares que lhes lançavam.
Chegou o momento do lugar vir ao chão. Foi vendido.
Ninguém o reclamara. Não havia registro de posse, não havia qualquer rastro de quem o ocupou. Para esta cidade esquecida, que perdera documentos numa época anterior aos computadores, a casa jamais existira; e também estariam condenados à inexistência, à completa obliteração, aqueles que um dia moraram nela.
Os cômodos, todos, contavam a mesma história: de frio, mofo, descaso e desesperança, de abandono e de pouco caso. Papéis úmidos ilegíveis, parte de uma boneca de plástico, agora, assustadora; palavras escritas na parede que, um dia, significaram alguma coisa.
Ela fez sua parte. Inspecionou o lugar.
(Os colegas não gostavam quando era ela quem ia com eles: achavam que demorava demais. "Muito emotiva", diziam.)
Para ela, no entanto, era o mínimo que a casa merecia: algum respeito, em memória das histórias que um dia guardou e que ainda poderia contar, não fosse a construtora mais voraz do que curiosa.
Assinado o relatório, voltou para o carro e deu mais uma olhada: a última que a casa receberia com afeição, sob a chuva que, enfim, caía.