( aperte o alt ) "Árula" • Edição Nº35
Árula
É, eu sei, já tem algum tempo.
Fiquei pensando mesmo se devia falar contigo ou não e, na verdade, nem sei se tomei a decisão certa, mas vá lá. Tou cansado de estar confuso, então resolvi que é isso aí e vamos em frente. Inclusive sei que uma das coisas que mais te incomodavam era essa minha impulsividade, essa coisa meio inconsequente, meio adolescentesca. Só que você sabe melhor do que eu o quanto tentei mudar, agir diferente, mesmo quando isso quase me esmagava por dentro, e pra quê? Achava que era pra me tornar uma pessoa melhor, lógico, mas na verdade era pra me tornar o que você considera uma pessoa melhor, e que no final não dava em nada, porque os padrões de comportamento que você estabeleceu são impossíveis de serem seguidos inclusive por você mesma, e isso deixava o ar tenso o tempo todo, como se a gente fosse daqueles produtos químicos que, se misturados, explodem tudo. Se é que existe isso, também. Sei lá.
Mas não foi pra requentar discussão que resolvi escrever. Bem pelo contrário, aliás.
Hoje, quero lembrar de outras coisas. Mas antes que você ache que minha ideia é tentar voltar e tal, já deixo aqui avisado que não é nada disso, calma. É que também não é justo dizer que a gente foi só cansaço, desgaste e estresse o tempo todo. E eu faço questão de dizer isso porque não sei se cheguei a dizer o suficiente, quando deveria. A coisa é que não tinha nada que a gente não fizesse intensamente, né? Pra bem ou pra mal. Aí é bem aquilo que se fala sobre queimar uma vela pelos dois lados ao mesmo tempo, saca? É isso, fomos intensos demais, e eu não me arrependo de nada, nada, nada... mas também acho que não aguentaria nem mais um dia sequer.
Acaba sendo muito fácil lembrar do que deu errado e tal, então quero fazer diferente: quero lembrar daquelas vezes, por exemplo, em que a gente decidiu, do nada, ir àqueles lugares perdidos no meio do mato e da chuva, descobrindo espaços que pareciam ter sido preparados pra nós, bem estilo "Somewhere Only We Know". Quero lembrar das noites onde a gente ouvia música e dava novo significado para as letras, pra parecer que todas estavam contando a nossa história; e das garrafas de vinho abertas uma atrás da outra, e das bobagens que arrancavam gargalhadas e só faziam sentido pra nós. Quero lembrar das vezes em que a gente entrou no carro sem ter ideia de pra onde ir e, por causa disso, todos os destinos eram possíveis. Quero lembrar de quando estávamos sozinhos e aí nos perdíamos um no outro, sem pressa, esquecendo que havia um mundo lá fora, sabendo que o mais importante era o que existia ali, naquele instante.
Então, olha... sei de tudo o que vivemos, sei do tanto que vivemos. Imagino que você tá aí, agora, com a cabeça apoiada na mão, tentando entender por que é que eu resolvi escrever isso. E é aí que tá a beleza da coisa: não precisa ter explicação.
Tudo isso que fez parte de nós dois durante esse tempo todo vai continuar fazendo parte de mim, porque eu não sou o mesmo cara que você conheceu lá atrás. Nossa estrada me fez diferente, e apesar da gente quase levar à loucura um ao outro, você me fez melhor em muitos aspectos, em coisas que outra pessoa nem sequer perceberia. Então acho que esse é meio que meu jeito impulsivo e adolescentesco de te agradecer, no final das contas.
O ser humano é um bicho muito estranho. E vou parar de falar agora, antes que eu perca o controle sobre o que tou dizendo.
Espero que um dia, não tão longe assim, entre um gole e outro, a gente possa reviver idos tempos... ainda que a ideia me apavore tanto quanto encanta.
Um beijo.