( aperte o alt ) "Anástase" • Edição Nº42
Anástase
A apatia dera lugar a um nervosismo sem nome, enquanto ele olhava para a esteira das malas esperando que a sua bolsa aparecesse. Chegava a desejar que não viesse, e que isso o prendesse à burocracia do aeroporto por mais um par de horas, e que passado esse par de horas, a alfândega lhe pedisse para ver peça por peça de roupa, bolso por bolso, questionasse tudo, perguntasse mil porquês. Detestava sentir-se assim, detestava. A língua adormecia, as mãos suavam, essa inquietação misturada com sono que, sem uma boa respirada, logo logo poderia virar pânico: a expectativa de reencontrar todos, depois de tanto tempo.
Ouvia aqueles que saíam, ouvia alguns gritos, ouvia os sons que se ouve em um saguão como aquele: risos, e choro, e rodinhas de plástico e pacotes sendo rasgados por crianças ansiosas por novidades.
Agora desejava ter feito a barba, ou cortado o cabelo, ou colocado alguma roupa melhor. Pensou que talvez fosse desmaiar, mas logo a sensação passou. O rosto estava oleoso, a camisa colada nas costas, a calça surrada depois de tantas horas de voo e tantos meses indo e vindo de lugares dos quais a maioria das pessoas nem sequer tinha ouvido falar.
Sua bolsa aparecera, enfim. O filme que a enrolava já estava destruído, e os cadeados mal tinham forças para continuar mantendo unidos os fechos distribuídos aqui e ali.
Era tudo o que tinha: a bolsa de mão e agora essa, apenas um pouco maior, mas que lhe doía no ombro, marcado por horas e horas de marcha.
A porta automática aguardava, silenciosa.
Parou no banheiro para lavar o rosto. O cabelo estava imenso, desgrenhado. Molhou-o, ficou pior, arrancou um boné da bolsa e enfiou na cabeça. Bochechou, cuspiu. Seus olhos estavam horríveis. Colocou óculos escuros.
A porta automática aguardava, silenciosa.
Nada a declarar. Botão apertado, sinal verde.
Respirou fundo, vestiu um sorriso, e deixou que as portas abrissem: os cheiros, os sons, a claridade, o calor, atingiram-no como um soco no peito, enquanto os olhos buscavam por qualquer rosto conhecido, enquanto os ouvidos esperavam a pronúncia do seu nome.
Tirou os óculos. Olhou novamente.
Alguém saindo depois dele pediu licença: estava no caminho. Viu quando as pessoas encontraram-se umas com as outras, e viu como tudo parecia mover-se em câmera lenta. Viu como, aos poucos, o lugar se esvaziava daqueles que esperaram ali por um bom tempo, e chegavam novos rostos que olhavam fixamente para o painel de desembarque.
Celular ligado: nenhuma chamada perdida. Nenhum correio de voz. Nenhuma mensagem. Tirou o boné, passou as costas da mão pela testa.
- Táxi, senhor?
Esfregou as mãos pelo queixo, olhou para o mezanino, olhou com os olhos apertados, pelas paredes de vidro, o dia que chegava ao fim, em um melancólico amarelo alaranjado que em breve estaria submerso, sob aplausos, no mar do Arpoador.
- Táxi, senhor?
Nova movimentação, eletricidade no ar: mais uma chegada acabava de ser anunciada, mais gente disputava espaço na pequena mureta, tentando espiar para dentro da porta.
- Táxi, senhor?
Suspirou. Recolocou boné e óculos.
Em silenciosa anuência, começou a caminhar junto ao taxista, simpático, que parecia falar de uma distância infinita:
- Primeira vez no Rio?