( aperte o alt ) "Adagietto" • Edição Nº49
Adagietto
Dentro daquele salão, tomado pela fumaça de cheiro adocicado, as pessoas falavam alto, tentando se fazer escutar, mas logo desistiam: o som era ciumento, não deixava mais nada ser ouvido além daquela música que fazia tremer ossos e janelas; mais do que qualquer outra coisa, não deixava ninguém ouvir os próprios pensamentos. E era por isso que estavam lá, afinal.
Dançavam em frenesi, na tentativa de pertencer a alguma coisa, pertencer àquele ritual coletivo de dança e bebida, conjurando o afastamento do mundo para o mais distante possível, conjurando uma noite que não acabasse nunca.
Do seu canto, ele olhava.
Por duas ou três vezes, rostos sorridentes e suados e esquecidos de todos os problemas do dia a dia vieram buscá-lo, mas ele respondeu com um sorriso e um aceno; ninguém pensou muito sobre seus motivos para não se juntar a eles, e também não havia tempo para isso: a música não dava trégua.
Ele via as pessoas e a janela atrás delas, onde, um andar abaixo, ficava a rua, por onde passavam carros apressados em seu próprio universo, e onde luzes de néon pediam atenção.
"Neon on my naked skin / Passing silhouettes of strange illuminated mannequins"
O verso surgiu em sua cabeça, num breve solo, e tão subitamente quanto surgiu, desapareceu na madrugada.
Sorriu.
Era quase manhã quando alguém lembrou novamente de olhar ao redor para encontrá-lo.
Mas, então, já não estava mais lá.