( aperte o alt ) "Aberto" • Edição Nº12
ABERTO
Era café preto, quente, amargo. E era um hambúrguer duro, gorduroso, pão quebrando. E era água, morna, grossa. E eram três da manhã, e frio, e longe, e chovia, e sozinho, e uma lanchonete saída de um road-movie barato, e o lugar grande demais pra gente de menos, que já viveu dias melhores. E era a árvore de Natal decorada às pressas por obrigação, e um som ambiente, com as mesmas músicas de sempre para a época. E era fumaça, muita fumaça, e muito cigarro, e muito charuto, e muito conhaque, e muitos cheiros. E era o balcão, molhado, e cerveja, e amendoins desfalecidos, e saquinhos úmidos de sal, e palitos, e guardanapos, e ketchup ralo, e mostarda, e pano de prato, e a garçonete desleixada, de gorro natalino e avental sujo, e o cara de boné Von Dutch surrado e camiseta curta demais para a barriga. E era o bêbado, falando na mesa, e o néon anunciando bebida com duas letras apagadas, e a tevê com seu filme em preto-e-branco (um faroeste espaguete), e uma daquelas luzes azuis que atraem as moscas para a morte. E era mato, cigarra, grilo. E eram caminhões que passavam gritando, e luzes piscando, e alguém entrando, e tosse, e pigarro, e bocejo, e sorriso alcoólico, e o cheiro de desinfetante do banheiro, e aspirinas, e azeitonas, e copo vazio, e o cozinheiro, e torta de limão, e picles, e exaustor, e azulejos, e toalha de papel, e sabonete líquido, e moedinhas para a caixinha, e papel higiênico rosa, e eucalipto, e torneira fria para a água no rosto. E era a conta, e a gorjeta, e o sorriso, e o “obrigado”, e um “feliz Natal” dentre os dentes, e o relógio marcando 03h42, e a chave, e o carro, e o motor, e o suspiro, e o pensamento, e os olhos, e a estrada, e as placas, e o rádio, e Timmy Thomas cantando “Why Can’t We Live Together”.
E era um dia, talvez sexta, e uma esperança, talvez outra, e uma certeza, talvez a mesma.
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